terça-feira, 18 de setembro de 2012

Boas-vindas à Geni!





Podem ligar as câmeras e os holofotes, pois a atração da semana chegou. Eu poderia começar dizendo que a mídia novamente conseguiu manipular muito bem as mentes “ingênuas” de metade da população, mas recairia sobre o mesmo erro do qual vim falar aqui. Na verdade, somos a parte de um todo que já não me arrisco a chamar de “sociedade”, um todo habituado com a “lei do bode expiatório”. Simplificando, se errar já é humano, achar alguém pra colocar a culpa é mais humano ainda.

Nos últimos dois dias, o assunto mais comentado nos noticiários, redes sociais e bate-papos no meio acadêmico é o caso de uma professora da Universidade do Estado do Pará que, por motivos que não nos convém detalhar, teria chamado o vigilante da referida universidade de “macaco”. O caos se instalou pelo fato do vigilante ser negro. A professora foi acusada de racismo e a situação repercutiu ao ponto de ir parar em jornais nacionais.

A indignação de todos é realmente admirável, levando em conta que nós, como exímios exemplos de cidadãos morais e éticos, não praticamos quaisquer atos de preconceito no dia a dia, sequer em momentos de extrema revolta. Se minha ironia foi passível de compreensão, pergunto agora quem somos nós para “jogarmos no lixo” o diploma de alguém? Longe de mim, ainda que pareça, aplaudir a atitude da professora, no entanto alguma reflexão tem de ser feita sobre nós mesmos e sobre o que estamos fazendo em cada situação como esta.

Quero dizer, a impressão que dá é que estamos à beira de um ataque diário, sempre em busca de um motivo para cuspir todas as raivas contidas, as angústias, as revoltas... já que somos obrigados a balançar a cabeça todo tempo pra tudo que nos é mostrado como certo ou como verdade absoluta. Daí surge um alvo fácil para servir de “bode” às nossas raivas. Surge, como diria Chico Buarque, uma Geni para apedrejarmos.  Pois não nos basta ver o culpado se acabando, lambendo a própria culpa... é preciso mais, sempre mais. Falta pisar, linchar, humilhar um pouco mais porque nada é suficiente. Errou? Pague por isso e da pior forma possível.

E enquanto o “resto” dos problemas à nossa volta torna-se realmente RESTO, nos contentamos em sentir que somos moralistas, ativistas, políticos, jovens informados e adultos em busca de uma sociedade mais humana, no momento em que apontamos o dedo e gritamos todos os palavrões que nos vêm em mente. Mas estamos sendo justos. Em um conceito de justiça no qual a violência, a estupidez e a covardia atraem mais atenção dos olhos e da mente que a verdadeira arte de “ser humano” além de “ser vivo”.

Que a ética venha a nós, já que não conseguimos ir até ela. 

sábado, 8 de setembro de 2012

Sobre apostas e fugas.

Texto feito em parceria com o blogueiro Eraldo, do blog Eraldo e suas paulinisses



Ele escrevia contos de fada sobre ela. Fazia daqueles cachos castanhos o travesseiro das suas palavras. E de lá, elas brotavam sorrateiras para cada parte do violoncelo, que para ele, era o corpo dela.

Ela aceitava aqueles olhares com a culpa de quem foi criada num jardim aonde as flores eram proibidas de desabrochar. Tinha vontade de ir, mas só quando já estava de volta. Sonhava com fogo sem ao menos poder ter sido fagulha, e pedia perdão a Deus por imaginar que todas aquelas notas que ele tocava eram sempre lá.

Nas sobrancelhas levemente arqueadas pelo olhar temeroso, ele a observava como se as palavras fizessem dela pôr-do-sol, início e fim ao mesmo tempo, abrindo espaço para um eclipse que aconteceria adiante. Para ele, nas pupilas dilatadas ela era o dragão fêmea, que inescrupuloso cuspia fogo e fumaça em meio ao quarto vazio de tudo que não fosse os dois.

Ela então passou a olhá-lo como quem abre a porta e tocar nele como quem abre as pernas. Sorria de tudo que ele falava, mirava tudo que fazia, mas parecia que quanto mais ela andava menos saía do lugar. Era pecado demais ela chegar e dizer que o queria. Na verdade, ela se culpava pelo simples fato de querer tanto, mas aquela brasa não parava de incendiar- e um fogo que ela já não conseguia acreditar que aquecia os dois. Por que ele não a tomava para si, se ela já era dele?

Ele, confuso em meio àquilo que o corpo dela lhe dizia, se perdeu. Afundou-se no conto de fadas do qual sonhara fazer parte, e pensou ver sua musa musicista perder-se também nas notas, no fogo e no colchão, deixando-o desnorteado. Ele fugiu então pelos labirintos de onde viera até cruzar com os primeiros olhos castanhos que o esperavam na esquina. Estes olhos, que de musa não eram, trouxeram-no à realidade que não queria viver. Agora, era só o corpo, a culpa,  a puta, o gozo, a roupa, a polpa da noite que chegava ao fim.

Restou a ela a rua da dor que todos percorrem quando a paixão é via de mão única. Ele e a outra. Ela consigo. Ela, ela mesma, e ele nas lembranças. É o que ela tinha, e o que ela era conforme se descobria. Todos aqueles desejos fizeram com que ela achasse com as próprias mãos o caminho do desejo em si mesma. Ela sonhava e a mão descia, apalpava, esfregava. O dedo dentro. A mexida; o contorcer; o contorcer; o mexer; o entrar; o arreganhar e apertar de pernas; o gemido que escapava; aquilo que veio lá de dentro quando ela finalmente chegou. Ao abrir os olhos depois de experimentar o orgasmo, ela viu os olhos que a observavam pela fresta da porta que esquecera aberta. A mãe, ao perceber-se flagrada, foi rezar como quem sente inveja, e a moça sentiu a vergonha de quem não se arrepende.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

De toda falta que a falta faz



Ela precisa chover por dentro. Chover lembranças, histórias, e esse emaranhado todo de vida que ficou perdido frente ao rio Guamá. A chuva de Belém já não supre aquele calor que vem de dentro dela. Ela precisa chover um temporal, daqueles de três da tarde, de não querer sair de baixo do lençol. Ela precisa ser rio de novo, seguir adiante ainda que contra a maré. Ela precisa reencontrar as asas que alguém roubou quando se foi, aquelas asas que guardavam seus sonhos. Roubar asas com sonhos deveria ser crime, não? 
Quer fugir, mas não tem rumo. Caminha na praça aos domingos, driblando passos de pessoas que nem sequer notam uma pintura diferente em seu rosto...
Segue o boi do Pavulagem tentando ser um pouco de todas as cores.
Ela quer ser estrela. Personagem de cordel. Erva do ver-o-peso. Catavento. 
Sol.
Igarapé.
Ar.
Tudo isso ao mesmo tempo.
Nos pés descalços, tenta encontrar as pegadas de um passarinho viajante que por ali deve ter passado, é que ele fugiu num barco de miriti e dali não se viu mais. Ah, aquele passarinho. Tinha asas como ela e cada pena de uma cor. Mas a dor dissolveria numa gota de chuva. Se ela chovesse por dentro. 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Revirando passados.


Hoje eu abri o meu baú de saudades e encontrei ele ali, intacto, lindo- como sempre -"fazendo sala" pro passado que eu pensei ter enterrado no fundo do quintal da memória. Revivi em segundos todo aquele emaranhado de pensamentos que a saudade me causa, voltei a pé àquela estrada que ladrilhei com ele nos dias em que o Sol não saía de casa. Mas então, em ressonância com o timbre daquela gargalhada que eu lembrava mentalmente, veio o inverno. A voz dele, que tanto me acalmara e me livrara dos abismos do cotidiano, a voz que eu apreciara nas madrugadas a fio sem preocupação com o dia seguinte... aquela voz trouxe o inverno consigo e me congelou. 
Não sei definir se a saudade tem mais habilidade em machucar do que o inverno daquela voz do outro lado da linha. E do outro lado do mundo, eu soube que o amor e amizade caíram num labirinto de gelo e esquecimento, onde nem que eu me jogasse no foço mais profundo, alcançaria. O inverno atravessou meus ouvidos e dominou cada parte do meu corpo. O gelo- tão frio, mas quebrável ao menos toque -tomara conta de mim. E antes que qualquer balde de lágrimas fosse capaz de me derreter, tranquei novamente o baú. Preferi deixar aquele passado quieto novamente, pra não achar que pode fazer visitas sem avisar. Deixa ele lá. Agora sim, deságuo, até evaporar, deixando essa saudade fugir com o ar.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

(Pro)cura

Existe um vazio presente por entre as minhas palavras. Provavelmente você não vê, mas existe sim. Entre uma palavra e outra há um espaço maior que se pode imaginar. Uns chamam de vácuo, mas eu chamo de vazio mesmo. Porque o vácuo é um nada tão nada que não tem nenhum significado... O vazio não. Vazio é a sombra de algo que um dia esteve ali; é como o céu fica se alguém sequestrar as estrelas; é o resto do próprio resto; é o último suspiro de uma saudade infinita; é aquela lembrança que caminha sorrateira na nossa mente nas tardes de domingo; é a mensagem que não chega; é a supremacia da solidão; é um texto sem entrelinhas; é a mão que falta pra juntar a nossa. E vazio doi, meu irmão. Nem te conto como doi. Porque é um nada tão cheio que entope a gente. Que absorve a energia e os sorrisos que a gente guardou pra desfrutar depois do jantar. E as minhas palavras abe-se lá porquê, começaram a marcar encontros as escondidas.
Mas sabe, acho que não são só as minhas palavras que escondem esse vazio. Todas aquelas que já perderam seu ponto de partida acabam se tornando amigas dele. Porque palavras conseguem sentir saudade de um jeito tão delas que o vazio até se encantou. Como se, em cada espaço de distância entre elas houvesse uma coisa perdida, algo que não conseguiu terminar direito ou deixou o serviço pra mais tarde. No fim das contas, toda palavra é um pedaço de perda no mundo, um filho desgarrado, uma adolescente rebelde. E quando a gente escreve sobre a saudade, elas se escondem no vazio, deixam a rebeldia de lado, e se perdem por ali mesmo, entre elas, tentando chegar a um ponto que há tempos foi  deixado pra trás. Desistam, meus amores, com ou sem vazio, há muita profundeza por trás de textos rabiscados por aí. E é preciso ter olhos um tantinho vazios também para enxergar toda história contida nas entrepalavras de uma vida.
É estranho dormir sem o teu "boa noite" sussurrado no ouvido, ainda que do outro lado da linha, do outro lado da cidade. A distância é tão relativa quando se ama. Mais estranho ainda é não te ouvir sorrir antes de apertar o botão pra encerrar a chamada. Pra ser bem sincera, o estranho doi, porque  sei que sou eu quem desliga toda vez dizendo que sou a racionalidade da relação, mas sim... o mesmo aperto que tu sentes, espreme meu coração por inteiro antes de desligar, e só o teu riso é capaz de amenizar isso. Mas tudo bem, hoje respirei fundo e escondi as lágrimas no lençol. Disse a mim mesma que não precisava isso. Infelizmente sou intensa, intensa demais. E mais infelizmente ainda, principalmente pra ti, eu tenho muitos prantos guardados por aqui. Pois é, lembra quando eu disse que tinha um segredo? O meu segredo é esse: para cada sorriso que trago no rosto, há um pranto escondido no bolso. E basta um simples aperto teu ligando o botão da frieza, pra que eu reviva um pouco cada um desses prantos. Não tens culpa de nada, e também não sei se tenho... um defeito que aos poucos tens descoberto é que raramente sei quando fiz algo errado. Por isso eu espero que me digas, não me deixa nessa aflição, não. Por favor. Isso me faz voltar a tudo que eu deixei enterrado em um baú sem chave, faz eu revisitar a memória com um ar de quem não sabe mais por onde anda. Meu presente é esse, mas não sei porque eu fiquei tão perdida sem a tua voz antes de dormir... Só me deixa dizer que te amo mais uma vez, ok? Mesmo que tu não ouças pois já deves estar dormindo, mas eu digo por aqui, sussurro à minha maneira e peço pro vento levar até os teus sonhos. Deixa eu dizer que sou feliz contigo, todo dia um pouco mais. Dizer que fazes o meu sorriso viajar até meus 10 anos de idade, quando tudo era mais leve e mais doce. Deixa eu dizer que o teu sorriso me faz bem, que o teu carinho me conforta, que nos teus braços eu não tenho medo de nada, ou quase nada (porque o medo de mim mesma parece que nunca se esvai). Dizer que a tua felicidade é a minha, que eu escolhi acreditar em ti porque era preciso, porque eu preciso da tua voz quando acordo, durante o dia, no meio do meu choro, interrompendo a gargalhada, na ligação inesperada, e mais do que em todas as ocasiões... antes de dormir. Não esquece disso tudo, ta?
Um beijo, boa noite, eu te amo. 

sábado, 17 de março de 2012

Jet'aime

Não era amor e eu sabia disso. Mas era bom. Era vento de chuva no fim da tarde. Era cheiro de grama molhada. Era um tormento cheio de paz, sabe? Não sabe? Bom, vou tentar explicar... Como o sorriso bobo que se dá sozinho ao lembrar de um momento bom; o frio na barriga aos 15 anos quando o cara do 2º ano te olhou; como a sensação mais gostosa do mundo ao terminar um livro bom; como o suspiro da preguiça após acordar; o abraço apertado; o cheiro daquele dia que você não vai esquecer; como a piada sem graça que te faz morrer de rir; a música que te acalma; a mensagem que surpreende; o carinho guardado, a lembrança doce... Pois é, ele era tudo isso para mim! Toda paz que me causava agonia extrema. Mas não era amor, isso eu sei. Só era bom estar perto. Ouvir a voz. Saber do dia. Tocar o rosto e os cabelos. Sentir o perfume. Brigar por bobagens. Era bom, sim.
Pretérito Imperfeito.
Por que pra mim nada acaba completamente. Ainda que pra ele sim. Ainda que o "perto" não faça mais parte. Ainda que o "bom" não seja mais tão concreto. Eu guardei-o numa caixinha com o nome dele. É que, como sempre, eu estraguei tudo. Eu e a minha boca grande. Esquecemos que falar dessas coisas - do quanto alguém pode ser bom pra gente, bom da gente querer perto, mesmo sem ser amor - pode meter medo nos outros. É claro que esse "outros", na verdade, é ele. Então, eu tive que guardar o frio na barriga, o sorriso bobo, a saudade e a vontade de rir acompanhada dentro de uma caixinha. Mas a vida, traíra como ela é, de vez em quando tira a tampa da caixinha sem querer, aí aquelas coisas todas voltam e eu já não sei ao certo o que fazer com elas.
Esquisito esse jeito das coisas serem, de uma hora pra outra um presente vira passado e a gente se perde pelo caminho. Eu ainda tento catar aquilo tudo que vai ficando pelos cantos, mas uma coisa não dá pra juntar e recuperar- aquele olhar doce, trocado nas manhãs que, embora cinzentas, ganhavam cores. O olhar, até hoje, ainda procuro... Vai ver ele esqueceu por aí. Vai ver que todo amor que eu sei que não era, ficou esquecido junto com ele.