terça-feira, 29 de março de 2011

Abstinência de si

E de repente, ela flagrou-se com um desejo imenso de jogar tudo fora, de esquecer o que tinha guardado até ali. Olhava para os lados e, embora cercada de móveis e objetos de valor emocional, enxergava um vazio, mas um vazio tão grande que não soube definir.
Seu coração, rasgado tal qual as folhas de papel espalhadas no chão, implorava para nascer de novo, gritava pedidos de clemência. Mas ela, ofuscada por si mesma, havia deixado as lágrimas embaçarem seus sentidos, restando apenas aquele cheiro desagradável, que ardia, que a massacrava com uma gargalhada torturante de quem consegue exatamente o que quer. Era cheiro de dor.
Sentia como se as lágrimas saíssem não só dos olhos, mas da garganta, do peito, das mãos, da boca. E até o céu chorava em cumplicidade àquele sofrimento indecifrável.
Aos poucos, recuperando o "algum juízo" que lhe restara das crises, percebeu que resumira sua vida a cadernos que aprisionavam o que habituou-se chamar de sentimentos. Quando abria um daqueles bolos de papel encadernado, era como a "Caixa de Pandora", com a diferença que não sobrava esperança dentro deles. Apenas, em poucas ou muitas palavras, algum pedaço de passado. Mas pra quê? Se o papel e as palavras, a um sopro, saem para dançar com o vento e se perdem no caminho de volta? Pra quê, se sentimentos são tão volúveis e passageiros quanto o tempo?
Não haviam "pra quês" nem "porquês", aquilo tudo fazia parte de uma história, de uma vida... de um passado que, por escolha, não se desvencilharia. Era uma parte do que havia se tornado até ali.
Mas a dor, insatisfeita com seu insucesso, atacou em cheio aquela parte do coração onde guardam-se as lembranças, principalmente as de amor. Novamente, perdeu o controle das lágrimas e dos sentidos. E chorando, ela dormiu. Profundamente.

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