segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Flor de Lótus.

Reza a lenda que ela existe. Em algum lugar deste pequeno universo que tenho a mania de chamar de "meu", sim, em algum lugar ela existe. E de alguma forma, que não sei explicar qual é, eu a encontrei, em meio ao seu processo de germinação. Vocês podem achar isso absurdo, mas é a verdade das mais puras. Acompanhei o seu processo mais natural... encontrei-a no exato momento em que se livrava do lodo que a dominara por tanto tempo. Ela fazia força, e aos poucos, sozinha, conseguiu alcançar a superfície. E deu-se então o mais belo momento: Brancas pétalas desabrocharam como que por encanto, deixando transparecer toda beleza, força e delicadeza que o lodo escondia. Eu encontrei a minha flor de Lótus. Não me critiquem por chamá-la de "minha", eu não perco essa mania de possessividade nunca. Adotei-a sem a devida permissão, e por mais incrível que possa parecer, ela me adotou também.
Encontramos uma na outra algo que estava perdido por aí, que algumas pessoas deixaram cair do bolso, da maleta de trabalho, da carteira, quem sabe? Algo chamado Reciprocidade. Ah, que palavra linda essa, não? Ela me ensinou que o recíproco faz com que a minha mania de possessividade não seja tão incômoda... acho que tem um pouco a ver com aquilo que o Mário Quintana costuma dizer: "O amor é quando a gente mora um no outro". Eu descobri nela a minha nova casa, e acho que com ela foi o mesmo. E com o mesmo apreço que eu cuido da minha morada, agora é dela que vou cuidar. A minha Flor de Lótus existe sim. E ela mora em mim. Mora no oceano que guardo embaixo dos olhos, no jardim que trago no peito, no cantinho de cada sentimento meu. Ela está lá. Pois não sei se alguém sabe, mas a lenda diz também, que essa flor sabe guiar, não guiar qualquer um a qualquer lugar, mas ela sabe ME guiar.
A minha rota de fuga, o meu refúgio da dor, os meus sorrisos mais sinceros, as minhas palavras mais leves, o reerguer das minhas asas... devo tudo isso a esta flor, que tanto sabe do mundo, mesmo sem saber de tudo.
A flor que eu nunca precisei ver pra saber da pureza e da verdade, e que ainda assim me gera tanta felicidade. Esta que hoje, comemora mais uma primavera, mais uma vez em que se liberta de todo lodo que a aprisiona o resto do ano, e chega à superfície, nos dando o privilégio de sentir cada pedaço de palavra que brota com suas pétalas, cada nota musical que é criada por seu encanto. E ela canta, me encanta, me escreve e descreve como ninguém jamais o fez. Ela tem o poder de ser pequenina e tão gigante, de alcançar a minha loucura com tanta lucidez, de enlouquecer comigo, sem me deixar cair, e até mesmo, é capaz de cair comigo, só pra eu não ter que levantar sozinha. A minha flor é tão única, que ninguém tem olhos para vê-la, nem coragem para sentí-la. E ela mora em mim. Se quiser conhecê-la, bata na porta da frente, deixe de lado tudo aquilo que tiver resquício de lodo na bagagem, por favor... E assim eu lhe permito entrar, e quem sabe conhecer a minha pequena flor, a minha irmã de alma, de coração, a minha tão igual e ao mesmo tempo tão oposta de mim... Só não permito, jamais, que lhe toque, pois meu medo de perder a minha preciosidade é tão grande, que não posso correr o risco de que você tente arrancá-la do pedestal que reservei a ela na minha casinha. Venha com cuidado, e não se esqueça, a primavera chegou, lembre-se de deixar-se encantar pelas mais belas pétalas de flor jamais vistas. E que você, provavelmente não verá também.

P.S: À minha Flor de Lótus, que hoje completa 17 primaveras, 17 germinações, 17 vezes de chegada à superfície com força e beleza. Que Deus permita mais 16x100, e que ela nunca decida se mudar daqui---> <3

sábado, 29 de outubro de 2011

Ela não tinha medo do escuro do quarto. Por vezes preferia mesmo as luzes apagadas, aquele ar de anoitecer sempre que possível. Ela acreditava que o escuro trazia o mistério de você poder ser quem quiser, sem as lamparinas alheias voltadas pra dizer se você está certo ou errado.
Ela não tinha medo do escuro do quarto. Mas entrava em pânico quando se deparava com o escuro das pessoas. Talvez ninguém acredite nisso, mas ela sabia, de uma forma sábia e inocente ao mesmo tempo, que no fundo de cada alma humana, há uma escuridão prestes a dominar tudo, há um inverno por trás de cada primavera. Sim, ela aprendera com as primaveras, assim como Cecília Meireles, a deixar-se cortar, para voltar sempre inteira. Sabia que era necessário deixar-se podar, para se renovar. Mas ainda assim, todo aquele inverno, toda a escuridão, tudo aquilo lhe assustava de um modo que mal conseguia respirar. Angústia. Era o que ela sentia. Tinha que aprender a lidar com a escuridão alheia, quando antes só precisava entender a luz apagada do quarto, a sua própria escura solidão.Entender. Uma palavra que nem sequer entende a si mesma. Foi então que ela decidiu, para não mais ter medo do escuro das pessoas, sair pelas ruas escurecida também, assim quem sabe, tudo pareceria mais normal pra ela. E de tão normal que a vida se tornou, ela não mais quis entender, não mais sentiu medo. Ela escurecera. Bem como todos à sua volta. E daquele dia em diante, naquele mundo em que ela vivia, aquele que tivesse luz, não era rei, era errado. Ela virara inverno. As primaveras extinguiram-se. E o mundo passou a ser preto e branco.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Dia desses alguém me disse que meus olhos não brilham mais. Que ando por aí como se não houvesse mais razão de ser, sem vida, sem vontade. Mas eu haveria de ter razões?
Confesso, meus passos andam agressivos demais, meu corpo está mais pesado que de costume, meu esboço de sorriso diário saiu do lugar de sempre, e meu rastro não é o mesmo perfume adocicado da primavera passada. Tento me defender dizendo que o inverno chegou, e por consequência, eu esfriei com ele. Sou uma mulher do Tempo, você já devia saber. Não paro. E sigo essa rota, essa rotina, esse redemoinho de mudanças que me ocorrem sem que eu mesma perceba.
Congelei, talvez. Perdi a força pra andar feito gente, coisa que nunca fui realmente. Desaprendi a voar, me perdi no meio de todos os caminhos... Até que, enfim, meu rumo me procurou. Exatamente, eu não fui atrás dele, mas ele veio até mim, o rumo que eu pensei ter perdido, voltou-se e me puxou com força do concreto onde eu caíra. Me apoiou nos primeiros passos, e reergueu minhas asas. Infelizmente, meus olhos continuaram opacos, mortos em vida... Mas quem precisa de olhos que brilham, tendo asas como as que eu tenho?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Poezita

                                                                                   Texto dedicado à Inezita Sherman
Realejo...


Um dia, foi sem querer, eu juro, eu cruzei o caminho dela. No começo não fazia sentido. Tão difícil de entender, tão inalcançável e inescrupulosa. Tão, mas tão cheia de tudo, que às vezes até se sentia vazia. Eu tão prosa e ela tão poesia, quem diria? Ela negaria, eu sei disso. Ela tem essa mania, de negar tudo de mais belo que a compõe, de não alcançar a si mesma. Mas é que de ser grande demais, ela não se abarca. Nem alegre, nem triste, nem mais. Nada de exageros, com ela não combina. É a pura calmaria. É o alto mar depois da tempestade, a terra firme depois dos terremotos; ela não tem Sol nem escuridão, não mergulha de cabeça nos sonhos, mas vive "de mal" com a razão. Ela é paradoxo. Não aquele do "amor é fogo que arde sem se ver", e sim aquele que a gente  nem consegue dizer. Intransitivo. Ela é o café amargo dos dias em que o cinza domina o céu. É o vinho tinto das noites sem ventania. O cigarro tragado com gosto pelo apaixonado. É uma das mulheres de Chico. É uma lágrima antes de cair. É a mesma lágrima que já secou. Ela não é durante, pois não sabe sê-lo, é antes e é depois. É passado e futuro, de vez em quando é presente, mas ela não se adéqua a essas urgências. Ela é céu e é mal. É um sorriso encapado de dor. Ela é o meu realejo, que me empresta alegria... É uma eufórica melancolia. Mas acima de tudo, ela é toda poesia. Quando eu digo, ela não acredita, mas ela é feita toda de verso, sem rima, sem métrica, de verso solto, de palavra cantada, de música falada, de história sem fim.
Se eu pudesse dar-lhe o Tempo de presente, eu juro que o faria, pois sei que com ele, ela se libertaria, se deixaria emanar, entregar, descobrir. Com ele, ela viajaria por todo verso e prosa que há no mundo. Encontraria, reencontraria. Ele até que é meu amigo, sabe? Mas anda meio ocupado demais, correndo de lá pra cá, sempre em frente, levando os pedaços da gente, pra deixar jogados naquele depósito lá do fundo do coração do mundo: a memória.
Então, fazer o quê? Só tenho para dar-lhe, as minhas palavras. Frágeis, fugidias, simples palavras. Tão longe de alcançarem-na... Mas vou indo pelo caminho que ela me ensinou a seguir. Cada pedaço de letra, cada fragmento de sentido... Foi ela que me ensinou. Todos a chamam de Inezita... mas, se eu pudesse transformá-la numa palavra, ela seria a Poesia; se fosse um sentimento, seria a Saudade; se fosse uma personagem, seria sempre a heroína... Toda certeza, coragem, e sensibilidade unidas num só corpo que às vezes me pergunto se é real. Eu cruzei o caminho dela, desviei seus passos, e ela me trouxe de volta, indicou o rumo certo, deixou um universo só dela pra ser descoberto. Bem aventurado aquele que se arriscar.