sábado, 29 de outubro de 2011

Ela não tinha medo do escuro do quarto. Por vezes preferia mesmo as luzes apagadas, aquele ar de anoitecer sempre que possível. Ela acreditava que o escuro trazia o mistério de você poder ser quem quiser, sem as lamparinas alheias voltadas pra dizer se você está certo ou errado.
Ela não tinha medo do escuro do quarto. Mas entrava em pânico quando se deparava com o escuro das pessoas. Talvez ninguém acredite nisso, mas ela sabia, de uma forma sábia e inocente ao mesmo tempo, que no fundo de cada alma humana, há uma escuridão prestes a dominar tudo, há um inverno por trás de cada primavera. Sim, ela aprendera com as primaveras, assim como Cecília Meireles, a deixar-se cortar, para voltar sempre inteira. Sabia que era necessário deixar-se podar, para se renovar. Mas ainda assim, todo aquele inverno, toda a escuridão, tudo aquilo lhe assustava de um modo que mal conseguia respirar. Angústia. Era o que ela sentia. Tinha que aprender a lidar com a escuridão alheia, quando antes só precisava entender a luz apagada do quarto, a sua própria escura solidão.Entender. Uma palavra que nem sequer entende a si mesma. Foi então que ela decidiu, para não mais ter medo do escuro das pessoas, sair pelas ruas escurecida também, assim quem sabe, tudo pareceria mais normal pra ela. E de tão normal que a vida se tornou, ela não mais quis entender, não mais sentiu medo. Ela escurecera. Bem como todos à sua volta. E daquele dia em diante, naquele mundo em que ela vivia, aquele que tivesse luz, não era rei, era errado. Ela virara inverno. As primaveras extinguiram-se. E o mundo passou a ser preto e branco.

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