sábado, 19 de novembro de 2011

Reminiscência

                                                                                     Inspirado em uma canção de Felippe Canato.


Falaram por aí que ele me observava. Desde sempre. Que sabia de cada passo meu, cada escolha e sonho... Falaram, que ali, naquele mundinho dele, eu tinha uma participação especial, ou talvez a única. E como eu não percebi? Como pude não ver tamanha dedicação e apreço, tamanha atenção... Como pude deixar-me não enxergar todo aquele amor que ele me prometia.
Sim, eu não o via. Nunca o vi. E isso me dói como se me cortassem de dentro pra fora. Na verdade, era como se ele vivesse numa bolha, daquelas em que você precisa se abster um pouco do egoísmo e das regrinhas diárias para entrar também, mas ele me convidou... estendeu a mão e me chamou por vezes para viver naquela bolha também, para entender que eu não estaria só, que havia ali tudo que eu precisava e queria. Meus olhos se cegaram. Embaçaram. E eu perdi tanto tempo, todo tempo, todo ele, todo tudo que me esperava, que ele me oferecia.
E eu lembro como se a minha memória revivesse aquele dia. Eu, distraída como sempre, despida de todo mal que me afligia, de toda dor que me ardia, de toda lembrança incerta que antes eu guardaria. E ele ali, disposto, na sua bolha, a minha espera, com um olhar gritando a saudade e a vontade que tinha escondido enquanto ninguém despertava pra tanta doçura e amor que ali havia.
Veio em minha direção, meio que proibindo a si mesmo, dizendo que não valeria a pena. Levantei vagarosamente o olhar e encontrei o seu, e enfim, achei no seu sorriso, toda razão que eu sabia precisar até aquele dia. Nada mais me importava em volta... o vento assobiava no meu ouvido que eu tinha a minha frente o que sempre quis, as ondas debatiam-se para pegar um lugar privilegiado para testemunhar o momento.
Primeiro a palavra, depois o toque, e por fim...o gosto. Sentir o doce tremor dos lábios se tocando, se conhecendo, se amanhecendo, sentindo um no outro as mais loucas e insensatas emoções... Por uns poucos minutos, me entreguei completamente a ele, e era recíproco. Ganhei o mundo por um beijo.
E enfim, ele mostrou todo o universo que havia em mim sem que eu mesma soubesse. O melhor lado que eu possuía, o mais brilhante encanto... Ele me mostrou, então, que eu possuía estrelas... Sim, eu o amava, e já tinha ouvido dizer que só quem ama tem ouvido capaz de ouvir e entender estrelas. Mas eu não precisava ouví-las, sequer entendê-las... eu as tinha, eram uma parte de mim. Eu, de alguma forma, as roubara do céu naquele instante em que fui dele, e naquela noite, só restou a escuridão já que todo brilho possível estava em mim.
Mas, ainda que eu soubesse de tudo que se passara ali, ninguém jamais acreditaria. Ele não existia naquele mundo, no meu mundo. E portanto, tinha que ir... tinha que voltar para o seu esconderijo. Antes de ir, só me proferiu uma frase, a única, e que não sai momento algum da minha mente: "Tu terás estrelas como ninguém. Tu terás estrelas que sabem sorrir".
Ainda me pergunto diariamente se ele me observa do lugar que estiver, se ainda lembra de mim, se pensa em tudo isso como eu. Pergunto-me às vezes até se alguma coisa foi mesmo real, se aquele dia existiu mesmo, se o aroma coincidiu mesmo com aquela chuva de sentimentos que me encharcaram. Pergunto-me se aquele sertão é o mesmo em que encontrei meu grande amor. E como resposta, só recebo as lembranças, e algumas        vezes em que, antes de dormir, sinto que lá fora está escuro demais, e quando percebo, vejo que as estrelas novamente se esconderam em mim...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

And speaking of desire...

Eu não quero flores toda semana, não quero jantares em restaurantes caros, não quero viagens pro exterior nas férias, nem os presentes mais absurdos nas datas especiais. Eu não quero o vestido de gala, nem o terno e gravata, não quero o salto 15 cm, ou o sapato engraxado... Não quero as grandes ocasiões, não quero passeios que nos ocupem demais, nem tardes no cinema ou a rotina em família. Não preciso de nada material, nada concreto, nada que valha reais. Eu quero tempo. Eu quero nós. Um "nós" que possa ser desfeito em "eu" e "você".
Eu quero as tardes no meio da semana, de improviso. Quero a serenata no meio da rua como melhor presente de aniversário. Quero o melhor abraço do mundo. Quero as discussões bestas por ciúmes sem necessidade. Eu quero a música com meu nome no meio, quero as notas de violão que vem de repente, sem avisar... Quero as mãos dadas, os domingos na praça ou no bosque, os banhos de chuva só pra te ver, quero horas perdidas falando da vida, dos sonhos, do passado. Quero nostalgia acompanhada. Quero as ligações na madrugada, as piadas sem graça que me façam rolar de rir, as indiretas sempre tão diretas pela intimidade, as brincadeiras maldosas, os embalos na rede, as letras de música e os textos no papel...
Quero a arte do erro. Quero tudo ao contrário. Sem rótulos. Sem obrigações. Quero mais eu. Quero mais você. Quero o cafuné a qualquer hora, o cheiro na nuca, o carinho, o sussurro, o olhar de convite, o abraço pedindo mais, o toque sem controle. Quero devaneio. Quero sarau. Quero mente, corpo e alma, por completo, que já estou muito cansada de metades.
Não preciso de mais regras pra viver tudo isso, não preciso de certos e errados. Eu quero o tudo e o nada, e só.
Eu quero você.

domingo, 13 de novembro de 2011

Asfixia

Hoje
Acordei respirando um poema.
Mas de tão forte que respirei
Me faltou
O ar.
É que o poema
Não tinha pausa
Nem meia-linha
E de tanta palavra
O poema entupiu a passagem.
Foi nesse minuto de inspiração poética
Que eu não mais quis saber de oxigênio
Pra respirar
Só poesia bastava.

Mandei ladrilhar.

"Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, para o meu, para o meu amor passar..."



Fiz do meu coração teu tapete vermelho. Permiti que desfilasses quantas vezes quisesses sobre ele. Por diversas vezes, senti cada passo teu sobre ele... estavas, como um artista, em busca do teu oscar... o meu amor. O grande amor que podei, como se flor ele fosse para colheres mais tarde; poli, como cristal raro que guardado fica até o momento certo; protegi, como uma mãe cuida de um filho único, esperando que mais tarde possa dar bons frutos. E no fim das contas, quando atravessaste todo o caminho do tapete e encontraste o prêmio tão preparado... viste que não era o que querias, que não importava o apreço que eu tinha dedicado a ele. Não era bem isso, não precisavas disso, nem querias te arriscar nesse universo louco em que o meu amor estava metido. Então, viraste as costas, e voltaste...pisando no meu coração. Dessa vez o desfile doeu mais, foi a volta, o retorno provando o fracasso de tudo aquilo que eu sonhara. Nunca lavei seu tapete vermelho, talvez pela inútil esperança de que um dia resolvesses desfilar novamente, o deixei intacto, até porque continuou sendo seu. E ainda é.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sobre o ar(dor)

Eu te amo e isso dói. Demais. Me perfura o estômago. Como se essas 3 palavrinhas fossem na verdade estacas que me furam cada parte do corpo, testando meus limites, perguntando a cada segundo até onde eu sou capaz de ir por esse amor. E fui longe. Mais longe que pude sonhar em ir, como jamais pensei que iria por alguém. Deixei-me completamente ferida, machucada, sangrando por aí, mas fingindo não sentir nada pra que você não tivesse culpa. Logo você que sempre foi tão bom, sempre teve um coração enorme e cheio de humildade, e sempre se culpou de tudo também. Como eu posso esquecer? Aquele seu olhar de súplica, que me pedia socorro ainda que você não pronunciasse essa palavra. Você me olhando e dizendo que não era uma boa pessoa. Como eu sobrevivi a isso? Como suportei ouvir tamanha blasfêmia da tua boca? Tenho quase certeza que essa foi a única mentira que você me proferiu todo esse tempo. E com meu coração ardendo em choro dentro de mim, usei de todos os argumentos possíveis pra provar que você estava errado. E o pior ( ou melhor) dos argumentos foi dizer que eu não me apaixonaria por uma má pessoa. Mais uma estaca entrando em mim, no estômago, não sei como você não notou que meus olhos sangravam de dor olhando você e não controlando que palavras saíam da minha boca. Doeu, e ainda dói. Ouvi dizer certa vez que se você não consegue superar o problema, supere o vício de falar a respeito. Não, eu não tô dizendo que você foi ou é um problema. Pra te falar a verdade , acho que o problema sou eu, sempre fui e te repeti isso todas as vezes que, ingenuamente, me perguntaste se eras tão mau assim, se me fazias sofrer... Eu nunca vou saber ao certo se "culpa" é uma palavra que se encaixa nisso tudo. Talvez seja porque tem de ser mesmo. Talvez doa em mim porque em ti não pode doer, porque és tão mais frágil e só do que pareces, e talvez não soubesse lidar com tudo isso.
Aprendi a sair pelas ruas disfarçando as manchas de sangue das minhas feridas, escondendo atrás dos olhos toda necessidade que tenho de ti a cada instante. E nesse tempo todo, me fechei. E de tão fechada, aprendi a me reconhecer, aos poucos, catando em versos e atitudes algum curativo. Mas ainda não inventaram mertiolate pras feridas causadas pelas estacas dos "eu te amo". Ainda não existe solução externa para aquilo que está dentro da gente... E foi por isso que eu me reaprendi, e me refiz sempre que pude, sempre que o ardor das feridas dissipava-se em ar e dor, deixando esta um pouco de molho enquanto eu respirava. A gente aprende a caminhar mesmo quando acha que não tem mais pernas...
E, embora eu continue no meu mazoquismo de vez em quando, me permitindo falar aquelas 3 palavrinhas tão cruéis, eu te devo alguns "obrigada", por teres me feito, ainda que do modo "errado", me conhecer de um jeito que pensei ter perdido. Eu ainda te respiro. Te sussurro. Te choro. Te lembro. Não passou. Mas eu já sei como é (sobre)viver.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Das gotas que sobram

Sou daquelas que bebe até a última gota do copo. Deixo-me transbordar por dentro. Não jogo a taça fora. Não lavo a louça depois de beber. Deixo o resquício do vinho e da cachaça, do batom gasto, do perfume, da impressão digital. Guardo todas essas taças depois. Às vezes tiro da gaveta e descubro que ainda resta um gole, ou dois, quem sabe? E decido então remarcar o território, ou tentar. Mas, como disse, também tenho limites, bordas... e transbordo. Deixo derramar mesmo, fazer enchente, tomar um porre internamente. Faço das superfícies de mim, poças do que for... lágrima, chuva, cachaça ou amor. E saio desaguando por aí, derramando meu transbordamento, gritando um apelo calado por alguém que me devolva a sobriedade perdida em algum lugar.
Preciso que me sequem. Mas sequem inteira. Preciso parar de me afogar e sentir o cheiro do vapor, de ar, de solidez. Sol e dez. Dez vezes tudo que deixei de ser. Só e des. Des-apegar. Des-amar. Só desejar.